Filipe Carvalho entrou na equipa de boxe do Juventude Sport Campinense há quase um ano sem se deixar travar pelas deficiências congénitas que tem nas pernas e num braço. Ao querer desafiar-se, desafiou uma série de gente ao mostrar que o boxe adaptado, quase inexistente em Portugal, é possível
Em agosto de 2016, Filipe Carvalho, de 33 anos, surpreendeu e desafiou os treinadores do clube Juventude Sport Campinense quando pediu para integrar a equipa de boxe. Com deficiência congénita nas pernas e num braço, o atleta contou à Voz de Loulé que tudo começou quando procurou um sítio para praticar desporto próximo da sua casa e as modalidades aí desenvolvidas.
A par da sua vida profissional como administrativo numa empresa do concelho de Loulé, dedica-se também à música, mundo onde é conhecido como Phill Oak. Habituado a superar barreiras desde que nasceu, este atleta que já tinha praticado futebol e bodyboard, decidiu desafiar-se e experimentar o boxe. Ao querer desafiar-se, acabou por desafiar os que o rodeiam.
“Desafiou todos”, comenta o treinador Rogério Espada à margem de um treino apontando que esta é uma modalidade dura, física e psicologicamente, mesmo para quem não tem qualquer limitação física.
Os treinadores, Rogério Espada e Fábio Marques, não esconderam que ao início ficaram surpresos e que tiveram de preparar-se para iniciar os treinos com o Filipe.
“Quando se quer, tudo se consegue. Quando se quer desenvolver capacidades, ao treinador basta dar as ferramentas para que eles se desenvolvam. Agora a quem não quer treinar, ninguém faz treinar. E isto, é para todos”, observa Fábio Marques.
Os treinos começaram com exercícios que estimulassem e desinibissem o Filipe de praticar com os colegas que não têm restrição física. Testaram até o treino com cadeira de rodas, mas o Filipe utiliza as próteses para fazer o treino regular com os colegas de equipa.
“Se calhar os primeiros treinos não foram tão complicados para mim como para os meus colegas que tinham medo de ‘meter’ a mão”, conta Filipe Carvalho.
Rogério Espada acrescentou que todos os atletas foram avisados para não ter medo de fazer o treino normal com o Filipe até porque o receio iria atrasar o seu desenvolvimento na modalidade.
“Ele também joga com eles normalmente e cuidado com ele que tem um bom golpe! Tem uma mão direita que é preciso ter cuidado”, diz o treinador Rogério Espada comentando que os golpes do Filipe já deixaram uns quantos atordoados.
“Ele gosta, tem vontade e quer praticar a modalidade e nós não lhe vamos fechar a porta. Vamos até onde conseguirmos chegar com ele, mas é ele que nos está a ajudar com a sua determinação e dedicação”, disse Rogério Espada.
Fábio Marques explica que o Filipe tem sido uma fonte de inspiração para a equipa seja na vertente competitiva ou na vertente de manutenção.
“O Filipe foi uma fonte de inspiração para dois membros do clube que estavam mais parados e que quando conheceram o Filipe voltaram a treinar”, refere o treinador acrescentando que, às vezes, a dedicação do atleta instiga os restantes colegas a entregarem-se mais nos dias em que estão menos motivados ou mais cansados.
A equipa de boxe do Juventude Sport Campinense, criada em 1994, conta atualmente com perto de 70 atletas, dos cinco aos 60 anos de idade divididos nas vertentes de formação, manutenção e competição.
Natural de Santiago do Cacém, no Alentejo, Filipe Carvalho sempre se aventurou em diferentes desportos. A família já não se espanta muito. Filipe conta que a mãe é a que fica mais receosa.
“Tanta coisa que podias fazer e vais levar no focinho!”, diz-lhe a avó quando falam nos treinos e nas exibições.
A equipa que o acompanha no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão também já não se surpreende com as aventuras de Filipe que obrigam sempre a que as suas próteses sejam, especialmente, reforçadas.
“Podias ter escolhido tanta coisa e são as coisas que nem nos passam pela cabeça que vais escolher”, já lhe têm comentado alguns técnicos daquele centro que ainda não sabem da sua incursão no boxe.
Promover o boxe adaptado em Portugal
Após os primeiros treinos, tanto o Filipe como os treinadores começaram a pesquisar e a procurar outros clubes ou atletas que praticassem boxe adaptado com quem o atleta pudesse competir.
Filipe conta que já contactou a Federação Portuguesa de Boxe e que lhe disseram que desconheciam se existiam outros atletas a fazer a modalidade adaptada.
Acabaram por perceber que a nível nacional existe um clube no norte do país a trabalhar o boxe adaptado e que a associação Jorge Pina também trabalha o boxe com alguns atletas que sofreram amputações.
O clube mais próximo de Loulé a trabalhar esta modalidade adaptada está em Huelva, Espanha.
A equipa tem procurado divulgar o trabalho realizado com o Filipe Carvalho para mostrar a outras pessoas que é possível praticar a modalidade seja na vertente da formação, da manutenção ou da competição.
O treinador Fábio Marques vincou que o clube tem “as portas abertas se aparecer mais alguém” a querer fazer boxe adaptado e que até já fizeram uma aula com um grupo da associação EXISTIR.
Rogério Espada diz que mesmo que o boxe adaptado não se desenvolva ao ritmo que desejam o Filipe é o atleta pioneiro a nível nacional nesta modalidade e que é com satisfação que o Campinense se vê ligado à promoção do boxe adaptado.
Jogos Olímpicos na “mira”
Esta modalidade adaptada, integrada nos Jogos Olímpicos, é pouco praticada em Portugal e o Filipe e o Campinense têm vindo a divulgar o trabalho que fazem com a esperança de que a modalidade possa ganhar novos atletas e dar espaço à competição adaptada aos atletas que o pretendam.
É o caso de Filipe Carvalho que gostava de ser atleta federado e que quando lhe perguntam se os Jogos Olímpicos são uma ambição, responde: “São dentro de três anos!”.
“Se tudo correr bem é um dos objetivos. Tudo depende também da minha parte porque tenho de dar tudo por tudo para lá chegar”, conclui.
por: Sofia Cavaco Silva do http://www.avozdoalgarve.pt